domingo, 10 de março de 2013

São coisas


            Podem ser coisas pequenas e absurdas. Coisas insignificantes. Mas são essas as coisas a que eu dou máximo valor.
            Se eu não oiço que é para ir para a mesa, o prato fica limpo, em cima da dita cuja, até eu me lembrar de ter fome. Mas se, por outro lado, eu estiver na mesa e ela não, voltam a chamá-la para a comida não arrefecer e só depois é que eu vejo a comida no meu prato.
            E sim, pode parecer insignificante. Confirmo. Mas é. E se é, eu reparo. Aguenta Autor…
            Sou senhor de não usar telemóveis. Uso pouco porque concordo que não seja fundamental para a sobrevivência social. Mas por vezes preciso dele, óbvio. Peço-lhe. Peço-lhe e ela não mo empresta. Mesmo que tenha estado duas horas e meia há espera dela. E mesmo que isso não tenha acontecido. Mesmo que não lhe tivesse feito qualquer favor – porque nem sou de os cobrar – uma vez que eu sou senhor de não usar telemóveis, também não os carrego. Se não os carrego também não peço que mo carreguem… Assim, sobra para ela. Sobra para ela pouco porque estamos em crise, mas são coisas pequenas, absurdas e insignificantes as coisas a que eu dou máximo valor.
            Passa-se, por volta desta hora, para a inveja. Erro. Não invejo alguém que nunca suou o que eu já suei. Não invejo alguém que, em tempos que nem dinheiro para o telemóvel existe, não se rale com isso. Porque antes mesmo do assunto ficar negro já eu suava com nuggets. Ela não. Mas não consigo invejar alguém que mesmo a viver no escuro se importe mais com namoros mal resolvidos do que com a própria escuridão. Eu? Eu sentia a brisa fria do orvalho no negro das cinco da manhã quando ia carregar electrodomésticos.
            “Se não querias essa vida, não a tinhas”. Certo. Concordo. Nesse caso nem se carregavam telemóveis, nem se fumava, nem se estudava, nem se comia. “Mas mais escuro não podia ficar”. Certo. Não ficaria mais escuro. Mas não é sonho meu viver sem ver. E prefiro ver coisas pequenas, absurdas e insignificantes do que não ver nada.
Mas parece que o negro, que já não é tão intenso, as deixou encadeadas. Lamento. Não sou vítima, mas não me dêem palha quando há erva.


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